Sunday, October 29, 2006

El Centinela

Entra la luz y me recuerdo; ahí está.
Empieza por decirme su nombre, que es (ya se entiende) el mío.
Vuelvo a la esclavitud que ha durado más de siete veces diez años.
Me impone su memoria.
Me impone las miserias de cada día, la condición humana.
Soy su viejo enfermero; me obliga a que le lave los pies.
Me acecha en los espejos, en la caoba, en los cristales de las tiendas.
Una u otra mujer lo han rechazado y debo compartir su congoja.
Me dicta ahora este poema, que no me gusta.
Me exige el nebuloso aprendizaje del terco anglosajón.
Me ha convertido al culto idolátrico de militares muertos, con los que acaso no podría cambiar una sola palabra.
En el último tramo de la escalero siento que está a mi lado.
Está en mis pasos, en mi voz.
Minuciosamente lo odio.
Advierto con fruición que casi no ve.
Estoy en una celda circular y el infinito muro se estrecha.
Ninguno de los dos engaña al otro, pero los dos mentimos.
Nos conocemos demasiado, inseparable hermano.
Bebes el agua de mi copa y devoras mi pan.
La puerta del suicida está abierta, pero los teólogos afirman que en la sombra ulterior del otro reino estaré yo, esperándome.

Jorge Luis Borges

Friday, October 27, 2006

Caso prático


A - Eu grito por ti!
B - Eu espero por ti!
E no meio, quem vive, senão a dúvida?
A dúvida, além de separar tantas almas gémeas, faz chorar, faz sempre chorar. Mas também traz algo mais. E se no que falta do agora imaginarmos um tempo - quando? - em que os problemas não existiam, mas tão somente a existência das coisas, perene, eterna, as cores a espreguiçarem-se de manhã. As cores, além da escuridão, são a única constante que nos acompanham, e que cruzam o dia e a noite, uma após outra, dia após dia, noite após noite, até se soltarem total e completamente para fora de nós - para a batalha. O Sol gigante levanta o dia, com toda a sua força guerreia a noite para constatar no horizonte, mais uma vez, o milagre das cores. O calor das cores e o frio da escuridão.
Aqui em baixo, no resto do mero mundo, vivem as personagens que não conseguem ver além do dia-a-dia, das necessidades e deveres, dos quereres e dos não-teres. O Sol, o dia nasce com toda a sua batalha ancestral. Havendo ou não lágrima, tristeza, o dia tem de recorrer da noite, injutiçado ou não.
O mundo inteiro é a roda-viva que vê o mundo girar reflectido no Sol brilhante.
De noite, ou quando a noite se aproxima, o que melhor do que contemplar a lua, que de vez em quando descobre cores únicas, amarelos lindos que não encontram em palavras ou saudades sua semelhante.
Na cabana, ao fundo, mora a solidão sozinha, aquecida pela quietude da noite, que roubou do Sol distante, um azul impossivelmente tranquilo, ou era roxo quando o olhei de novo.
Na minha cabana, que agora vejo, no meio da mais triste e silenciosa montanha, que chorava pela manhã, via em sonhos concertos de Mozart abrirem-me não os olhos, mas as portas em volta, na mente, que os fechavam.
O fumo do cigarro que fumava deixava-me estupefacto com o silêncio tranquilo que no meio de tantos gritos eu procurava.
Deitava-me. Debruçava-me sobre aquela solidão recém-descoberta que me trazia acelerada todas as verdades do mundo, num constante vai-vem de este mundo a outra solidão, que numa cascata longínqua no Rio das Amazónias, na Floresta das Amazónias, no Pântano dos Amazónias, me esperava.
O meu grito calava o mundo e aí conseguia de novo ouvir o fluir da cascata - no fundo de tantas brincadeiras, era o que aliás existia, enfim existia, a tudo resistia, num choro claro que ameaçava a toda a hora tornar-se no meio da pedra um esconderijo donde não houvesse mais saída.
Djavan, Caetano, Chico cantavam a esta pedra, como a uma cor líquida que desse vida aos olhos, tão cansados de tanta cegueira.
Noutro lado, o longínquo medo não sabia onde mais se esconder de tanta dúvida. Não conseguia negar mais a existência daquela prova que jamais permitiria ao seu receio enfrentar com os seus olhos o novo mundo que nascia duma música há tanto tempo atrás cantada.
Esta música, inventada primeiramente numa gruta vazia senão por uma menina humana, seus longos cabelos descaindo sobre a solidão em flor dos seus ombros, esta música tinha não só atravessado anos-luz de distância mas também anos-luz de solidão para de novo chegar a ela, subitamente desperta dentro de si mesma, surpresa por ver quão rápido a sua luz não só queria, mas ia fazendo, transportava-se sem mentira, atravessava a ponte que não existia senão dum coração ao outro, no mais completo silêncio mas na mais brusca revelação.
A luz cruzando para o outro lado, assustada pelo mundo novo, lutava contra os rochedos de solidão que lhe caíam perigosamente em cima, descuidados de terem existido.
A luz, entretanto, crescia, naquele dissipar interno e externo de dúvidas, numa clareza externa de ideias que rompia duma vez por todas com a culpa - origem de todos os problemas entre os seres humanos - e que se concentrava cada vez mais numa solidão que, não sendo única, se juntava à outra para romper também com o mundo que delas se distanciava. Como se catapultassem para uma nova dimensão, entre o céu e a terra, no espaço solto imenso, entre o sonho acordado, nítido, sensorial, íntimo e pleno de significado, e a realidade, alerta, brusca, nunca suficiente, nunca perceptível ou possível sem esta dimensão, que acabava por afectar a vida como a lua afecta as marés, e como o barco, sólido de madeira castanha, caminha pelo ruminar das ondas num baloiçar estonteante.

Friday, October 13, 2006

Moonriver

Something tells me Love still exists in the world, hidden, hidden, little, little dreammaker fetching innocent wide-eyed dreamers in the world